Robin Hood e Lula da Silva

O ser humano, desde que desenvolveu uma linguagem simbólica, saindo da percepção meramente natural (sensorial), passou a criar símbolos que se transformaram em mitos que conduziram a Humanidade por milênios, dando sentido de identidade a cada grupo (tribo) em particular.

“De acordo com Yuval Harari (autor de “Sapiens: Uma Breve História da Humanidade”), o Homo Sapiens é o animal que dominou o mundo porque é a única espécie capaz de acreditar em coisas que não existem na natureza (a Ordem Natural), ficções compartilhadas, construções sociais, mitos culturais, produtos inteiramente da sua imaginação (a Ordem Imaginada), com isso sendo capaz de cooperar em larga escala e de forma flexível. Entre essas ficções podemos incluir religiões, estruturas políticas, ideologias, mercados, marcas e instituições legais.”1

Nas religiões a humanidade criou milhares de deuses dando-lhes nomes, formas e características supra-humanas, assim como demônios e grandes heróis que lutavam com ambos para proteger a nossa espécie dos seus ataques sobrenaturais! Alguns destes heróis imortais foram Hércules, Aquiles, Agamenon, Édipo, Orfeu, Perseu e Teseu na mitologia greco/romana; Karna, Arjuna, Pitamah Bhishma, Dronacharya e Abhimanyu na mitologia hindu; Beowulf, Hagbard e Volsungo na mitologia nórdica; entre tantos outros ao longo da história dos povos.

A política também foi criada a partir da construção imaginada de alguns filósofos ao longo das Eras como Sócrates, Platão, Aristóteles, Nicolau Maquiavel, Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau, Immanuel Kant, Saint-Simon, Robert Owen, Karl Marx, Friedrich Engels, Hannah Arendt, Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Jürgen Habermas, Antonio Gramsci, Edmun Burke, Adam Smith, Alexis de Tocqueville, Ayn Rand, Ludwig Von Mises, etc.

Refletindo sobre a motivação que fez 50% do nosso país votar em um ex presidente que foi retirado da prisão e que havia sido condenado em dois processos da operação Lava Jato por “Corrupção passiva e lavagem de dinheiro” a 8 anos, 10 meses e 20 dias e a 17 anos, 1 mês e 10 dias, lembrei das figuras mitológicas do passado e dos nossos assim chamados “anti-heróis” da atualidade!

O anti-herói é aquele protagonista que possui uma moral questionável, segue por caminhos errados, mas acaba fazendo o bem indiretamente. Apesar de possuir um caráter meio duvidoso, o anti-herói se tornou um personagem muito comum no universo das HQs e também nos cinemas, tais como: Venom, Arlequina, Deadpool, Motoqueiro Fantasma e Spawn.

E na história da política ocidental temos um anti-herói que ficou muito famoso na Idade Média e até hoje faz muito sucesso em filmes e romances, que se assemelha muito com o nosso atual personagem brasileiro e que por isso recentemente chegou ao cargo máximo do nosso país: Robin Hood!

Robin Hood é um herói mítico inglês, um fora-da-lei que roubava da nobreza para dar aos pobres. Teria vivido no século XII ou XIII, era hábil no arco e flecha e vivia na floresta de Sherwood, onde era ajudado por um bando de amigos, do qual faziam parte João Pequeno, Frei Tuck, Allan Dale e Will Scarlet, entre outros moradores do bosque. Prezava a liberdade, a vida ao ar livre, e o espírito aventureiro. Ficou imortalizado como “Príncipe dos ladrões”.2

A história mais famosa e repassada a respeito de Robin Hood conta sobre um homem chamado Robin De Locksley. Este, após servir ao lado do Rei Ricardo em uma grande Cruzada, retorna para casa. Ao chegar, encontra seu feudo devastado pela tirania dos regentes, além de leis abusivas, e a proibição da caça como sustento ao homem comum. Indignado, ele se recusa a aceitar a situação, e é declarado fora da lei. Aproveitando seu conhecimento em cavalaria, arquearia e combate adquirido na guerra, ele une um grupo de foras da lei, e inicia um combate à tirania da nobreza, roubando dos ricos para dar aos pobres!2

Nas antigas descrições, Robin aparece ora ao lado dos comparsas, ora sozinho na mata. Varia de comportamento e tática, alternando-se entre bandido cruel (capaz de decapitar os inimigos e exibir as cabeças como troféus) e astuto. Para Stephen Knight, historiador da Universidade de Cardiff, há sentido por trás dessas contradições. “Quando falamos em Robin Hood, não estamos nos referindo apenas a um homem, mas sim a mais de 600 anos de desenvolvimento de conceitos e sentimentos. Ele representa ideais utópicos de justiça e liberdade. É uma construção social, um mito. Inventado e reinventado ao longo dos séculos”, diz o autor de “Robin Hood: a Mythic Biography” (“Robin Hood: uma Biografia Mítica”).2

A fama do arqueiro, inclusive, parece proporcional ao descontentamento do povo. Thomas Hahn, professor da Universidade de Rochester e um dos fundadores da Associação Internacional de Estudos sobre Robin Hood, insiste que a popularidade do personagem cresce no mesmo ritmo que a frustração da massa com a vida na sociedade capitalista. A lenda, diz ele, passa por um boom nos séculos 16 e 17, nos primórdios do sistema de acumulação de capitais. A difusão da imprensa de Gutenberg ajuda a alimentar o fenômeno: em 1601, havia pelo menos 200 menções ao fora da lei em poemas, contos e peças. Uma pista está na idealização de Robin como alguém disposto a brigar contra um rei usurpador, atrás de unidade nacional, o que tem muito mais a ver com a realidade medieval escocesa que a inglesa”, diz Stephen Knight.2

Com estes detalhes dá para perceber as extremas semelhanças entre os dois personagens: Lula e Robin Hood, que ficou imortalizado como o “Príncipe dos ladrões” e “combatia a tirania da nobreza, roubando dos ricos para dar aos pobres”! Robin representa “os ideais utópicos de justiça e liberdade” e cuja popularidade do personagem cresceu “no mesmo ritmo que a frustração da massa com a vida na sociedade capitalista”. Esta lenda foi construída na “idealização de Robin como alguém disposto a brigar contra um rei usurpador, atrás de unidade nacional”!

Para concluir, podemos ver a materialização de um anti-herói que se confirmou na figura de um populista! O “Populismo” é um termo utilizado para explicar as práticas associadas a governantes da América Latina durante boa parte do século XX. No caso do Brasil, essa palavra foi utilizada para se referir ao período que se estendeu de 1930 a 1964. Alguns políticos dessa época, como Getúlio Vargas, JK e João Goulart, foram encarados como símbolos populistas. No contexto atual, o termo populismo tem sido relacionado a regimes e governantes que adotam um discurso voltado para as massas, procurando dividir a sociedade em dois grupos!3

O populismo apresenta as seguintes características: a relação direta do líder com o povo é estabelecida por meio da influência de seu carisma sobre as massas; discurso em defesa da união das massas; liderança política baseada no carisma e no clientelismo, pois o papel de líder desempenhado pelo político populista sustentava-se tanto no seu carisma quanto na rede de favores desenvolvida a partir dele; frágil sistema partidário, pois o poder político concentrava-se unicamente no líder, não nas instituições políticas. No caso do Brasil, o grande nome do populismo foi Getúlio Vargas, presidente do país em dois momentos: 1930 a 1945 e 1951 a 1954.3

E neste sentido dá para fazer uma comparação entre estes dois agentes da história: Getúlio Vargas e Lula! Autor de três livros que, em sua totalidade, compreendem uma completa biografia de Vargas, o jornalista e escritor Lira Neto reconhece que tanto ele quanto Lula compartilham características em comum, sobretudo o “imenso carisma” e a “popularidade”, além da “marcante força eleitoral junto às classes médias e camadas populares”.4

“Não há precedentes, na história brasileira, de líderes que tenham desfrutado de tamanha empatia com as massas”, afirma ele. “Ambos estabeleceram a questão social como prioridade de seus respectivos governos, ao mesmo tempo em que articularam alianças pragmáticas com diferentes segmentos da população, incluindo desde o operariado até o patronato. Lula, a exemplo de Vargas, sempre defendeu que, em um país de desigualdades tão abissais como o Brasil, o Estado não pode se eximir de seu papel como indutor do desenvolvimento econômico.”4

O historiador Carlos Fico, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), diz que: “A única semelhança que vejo é a seguinte: ambos se beneficiaram da ‘adesão por afeto’, quando parte de seus apoiadores permanece política e eleitoralmente fiel independentemente do que façam os líderes”, ressalta. “Getúlio Vargas e Lula conquistaram esse tipo de apoio por causa do fascínio que exercem e, sobretudo, em função impacto da legislação social e trabalhista do primeiro e do programa Bolsa Família do segundo.”4

Estes personagens trazem à lembrança um terceiro político famoso, Paulo Maluf, que era muito conhecido pela corrupção, mas era sempre eleito com a seguinte frase: “Ele rouba, mas faz!”

“Rouba, mas faz” é um bordão político brasileiro que se refere ao governante que, embora sendo corrupto (e reconhecido pela opinião pública como tal), também é visto como um bom feitor, alguém que de alguma forma contribui para com a população. A expressão foi cunhada por Paulo Junqueira Duarte em depreciação ao seu adversário político e ex-governador de São Paulo Ademar de Barros, cujos cabos eleitorais respondiam as acusações de corrupção reiterando suas obras. Com o tempo outros políticos receberam o estigma, como o ex-governador Paulo Maluf e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.5

Concluindo, o imaginário popular das 60.345.999 pessoas que votaram no Lula em 31/10/2022 (se as eleições se confirmarem verdadeiras nos próximos dias) o comparou com o anti-herói da Idade Média Robin Hood, que ficou imortalizado como “Príncipe dos ladrões”, que combatia a tirania da nobreza, roubando dos ricos para dar aos pobres, que refletia a frustração das massas com a vida na sociedade capitalista!

A principal diferença aqui é que Robin Hood é uma ficção, um mito criado em um momento difícil da Europa e o nosso personagem daqui é real e provavelmente vai continuar fazendo o que sabe fazer muito bem! Apesar das anulações das suas condenações, a Operação Lava Jato fez com que fossem devolvidos bilhões de Reais por algumas pessoas e empresas: um levantamento do Ministério Público Federal no Paraná mostrou que nos últimos sete anos já foram homologados acordos de leniência, de delação premiada e de repatriação, que garantem a devolução de 25 bilhões de reais desviados dos cofres públicos, com 278 acordos de colaboração e de leniência!

Para terminar esta comparação coloquei no início do texto 2 fotos para mostrar o paralelismo dos personagens e suas incríveis semelhanças!

Fontes:

  1. [https://www.lucianolobato.com.br/2019/03/19/ficcoes-compartilhadas-como-caracteristica-definidora-da-humanidade/]
  2. [https://pt.wikipedia.org/wiki/Robin_Hood]
  3. [https://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/populismo.htm]
  4. [https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63087984]
  5. [https://pt.wikipedia.org/wiki/Rouba,_mas_faz#:~:text=%22Rouba%2C%20mas%20faz%22%20%C3%A9,contribui%20para%20com%20a%20popula%C3%A7%C3%A3o.]

Paulo Maciel – 02/11/2022.