Origem das escolhas ideológicas
“Não é possível convencer um fanático de coisa alguma pois suas crenças não se baseiam em evidências; baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar”. Carl Sagan
De onde vem tanto ódio atualmente em nosso país, o chamado “ódio do bem”? E porque 50% dos eleitores votam em um candidato apoiando-o cegamente e os outros 50% votam no outro candidato por odiarem o seu concorrente? Porque os fatos, as evidências, os vídeos, o jornalismo, os podcasts e as teorias políticas não conseguem convencer os seus oponentes e faze-los mudar de lado?
A resposta mais profunda é uma só: Instinto!
Meu amigo virtual Célio Roberto escreveu que: “O cidadão já tem sua escolha definida; você pode apresentar um milhão de objeções para ele fazer o contrário, mas ele não vai tomar a decisão baseada na razão e apenas apresentará respostas que tentam racionalizar sua escolha definida e imutável. Por isso o diálogo só é útil com quem é indeciso ou não é fanático, seja essa pessoa de qualquer espectro político.”
E eu respondi: “É isto mesmo: fazemos escolhas por motivos instintivos (identificação com a tribo) e emocionais (defesa da tribo) e depois buscamos fatos que confirmem as nossas crenças (viés de confirmação). Por isso é tão difícil mudar a opinião formada de alguém!”
Agora vamos estudar esta questão mais detalhadamente.
A história da humanidade começa em pequenos grupos de homo sapiens, entre os anos 40 000 e 10 000 a.C. (Paleolítico Superior), quando surgiu o homem moderno. O Paleolítico é um dos períodos em que está dividida a Pré-história, entre 2,5 milhões de anos até 10.000 anos atrás, também conhecido como “Idade da Pedra Lascada” e referido como sendo dos “homens das cavernas”. Foi durante este período que apareceram as primeiras diferenças raciais.1
Os seres humanos desse período eram nômades, não se fixando por muito tempo em um mesmo lugar. Viviam da coleta de frutos e raízes, além de pesca, caça e a busca de carcaças animais deixadas por outros carnívoros. Estes pequenos rebanhos humanos primitivos foram deixando de existir com o passar do tempo e surgiu uma nova forma de vida social — a comunidade do clã.
Durante o Neolítico Superior desenvolveram-se novas técnicas de trabalhar a pedra e o cultivo da terra e a criação de animais para o trabalho agrícola. Começou então a troca regular de produtos entre os agricultores e os pastores. E se nas épocas mais primitivas as pessoas tinham tentado produzir o suficiente para sustentar a sua própria família ou clã, agora começavam a tentar produzir um excedente, tendo em vista a possibilidade de troca. Agora existia um incentivo para acumular produtos em excesso, dentro de determinada tribo, clã ou família.
Vamos definir estes temas, que são importantes para esta teoria:
Uma “Família” é um agrupamento humano formado por duas ou mais pessoas com ligações biológicas, ancestrais, legais ou afetivas que, geralmente, vivem ou viveram na mesma casa.2 Constitui uma das unidades básicas da sociedade.
Um “Clã” é um grupo de pessoas que têm um ancestral comum, uma Linhagem e uma descendência.3 Constitui-se num grupo de pessoas unidas por parentesco e linhagem e que é definido pela descendência de um ancestral comum. Os clãs podem ser descritos mais facilmente como subgrupos de tribos.
Uma “Tribo” é um tipo de agrupamento humano unido pela língua, costumes, instituições e tradições.4 É um conjunto humano que reúne varias famílias sob a autoridade de um mesmo chefe e num espaço territorial dado. Nas épocas colonialistas a palavra passou a ter um sentido de “agrupamento humano com cultura rudimentar”.
Uma “Etnia” ou um ‘grupo étnico’ é um grupo de pessoas que têm uma herança sociocultural comum, como uma língua e tradições comuns.
Noutras palavras, os povos ou as populações de ascendência comum constituem etnias; as etnias subdividem-se em tribos, as tribos em clãs e estes em linhagens familiares. Em todos os países cada pessoa tem origens étnica, tribal, clânica e de linhagem.
Mas então, quando começa este processo de identificação com o grupo que vai criar posteriormente as identificações ideológicas e o “ódio do bem”? Justamente na construção das tribos, porque a tribo é um tipo de agrupamento humano unido pela “língua, costumes, instituições e tradições”. E são justamente estes “costumes e tradições” que vão criar os valores culturais determinados pelas polarizações políticas!
No início da humanidade qualquer invasão de território era entendido como um perigo para sua vida e alimentos, assim como a preservação da própria família ou do clã. Todos os animais territoriais também têm este tipo de comportamento instintivo de proteção à matilha como os chimpanzés, gorilas e elefantes. No caso dos chimpanzés existem, inclusive, casos de canibalismo dos inimigos mortos!
Então é justamente deste instinto profundo, básico e atávico, que está plantando no nível mais inconsciente da nossa espécie, que nasce o germe da identificação, pertencimento e proteção da tribo!
Por isso que a nossa escolha é extremamente resistente aos confrontos e gera ódios intensos que levam a verdadeiros genocídios como nos casos históricos das Guerras Santas, Caça às Bruxas, Genocídio de Ruanda, Guerra dos Trinta Anos, Guerra Civil no Líbano, Revolução Russa, Revolução Chinesa, Guerra da Independência de inúmeros países, Escravidão de todos os povos, etc.
E o incrível de tudo isso é que todos os seres humanos acreditam que estão certos e que são bons e justos e que o outro lado é sempre mal, errado e injusto! E todos sempre confirmação as suas crenças a partir do que se chama na Psicologia de “Viés de confirmação”, que é “a tendência de se lembrar, interpretar ou pesquisar por informações de maneira a confirmar crenças ou hipóteses iniciais”. Para a minha teoria, mais do que “confirmar crenças ou hipóteses iniciais”, é confirmar os sentimentos de participação e o instinto de inclusão à sua tribo original!
Pela Wikipedia: “As pessoas demonstram esse viés quando reúnem ou se lembram de informações de forma seletiva, ou quando as interpretam de forma tendenciosa. Tal efeito é mais forte em questões de forte carga emocional e em crenças profundamente arraigadas. As pessoas também tendem a interpretar evidências ambíguas de forma a sustentar suas posições já existentes. Os conceitos de pesquisa, interpretação e memória tendenciosas foram propostos para explicar a polarização de atitudes (quando uma divergência se torna mais extrema ainda que as diferentes partes sejam expostas à mesma evidência), as crenças persistentes (quando crenças persistem mesmo após suas evidências serem demonstradas falsas), o efeito irracional de primariedade (uma maior confiança em informações encontradas antes de outras em uma série) e a correlação ilusória (quando falsas associações entre dois eventos ou situações são identificadas).”5
Uma série de experimentos nos anos 60 sugeriu que as pessoas são tendenciosas de forma a confirmar suas crenças pré-existentes. Trabalhos posteriores reinterpretaram esses resultados como uma tendência a testarmos ideias de forma unilateral, focando em uma possibilidade e ignorando alternativas. Em certas situações, essa tendência pode enviesar as conclusões das pessoas. Explicações para os vieses observados incluem o “wishful thinking” (pensamento positivo) e a capacidade limitada que os seres humanos têm de processar informações. Outra explicação é que as pessoas demonstrem o viés de confirmação por estarem pesando os custos de estarem errados em vez de fazerem uma investigação neutra e científica. O viés de confirmação contribui com um excesso de confiança em crenças pessoais e pode manter ou reforçar crenças em face de evidência contrária. Más decisões por conta de tais vieses são encontradas em contextos políticos e administrativos.5
As polaridades existem em todo o Universo físico, tais como: positivo x negativo, luz x sombra, quente x frio, etc. E nós e os animais percebemos estas polaridades através dos nossos 5 sentidos como algo natural e corriqueiro.
O problema começa quando polarizamos moralmente valores tais como “língua, costumes, instituições e tradições” das outras tribos como erradas e maléficas a ponto de nos sentirmos ameaçados e termos que nos proteger ou defender o nosso território contra elas!
Eu costumo dizer que quanto mais ódio sentimos e quanto mais violentas são as nossas reações em defesa da nossa tribo, mais primitivos nós somos em nossas respostas de invasão do nosso espaço. Exatamente por isso os animais e todas as tribos reais ou imaginárias, reagem com tanta violência e ignorância a estes apelos instintivos. Quando os instintos dominam o lado racional é reprimido e só depois percebemos os resultados das nossas atitudes violentas. É a famosa frase que diz a pessoa que acabou de “perder a cabeça” e depois volta à sua lucidez: “O que foi que eu fiz?”
Nesta hora de ódio e violência nos tornamos irracionais porque o instinto é pura ação de luta ou fuga e nele não há nenhuma racionalidade ou bom senso!
E como se faz esta identificação com a tribo através do sentimento? O que leva uma pessoa a votar na Direita ou na Esquerda?
As pesquisas em Psicologia e Neurociências tem demonstrado que as pessoas têm uma simpatia visceral, praticamente genética, por partidos mais à esquerda ou mais à direita. Uma pesquisa feita por Jonathan Haidt (1963) baseada em Psicologia evolutiva, Psicologia animal e Psicologia social demonstrou que as pessoas têm uma preferência e uma simpatia que derivam de 5 fontes diferentes:
- A primeira fonte é a noção que a pessoa tem de compaixão, da necessidade de ajudar a quem precisa, associada ao ódio àquele que causou este mal.
- A outra fonte está ligada à justiça e à injustiça, com a crença de que “cada um merece aquilo que produziu” (meritocracia pelo resultado) ou que “cada um merece aquilo que foi o seu esforço e dedicação”.
- A terceira fonte é a questão do pertencimento, da identidade, a tendência de se agrupar em tribos, em grupos (Palmeirenses ou Fluminenses, brancos ou negros, jovens ou velhos, direita ou esquerda, etc.). Esta tendência a formar uma identidade pode se polarizar no sentido de odiar ou rejeitar o outro grupo e querer não ter contato com ele ou pode produzir curiosidade, tesão e atração.
- A quarta polaridade é o respeito à ordem e às autoridades. Todas as sociedades precisam de algum grau de regras, ordem e autoridade que vem pelo respeito à hierarquia, mas isso também polariza com a sensação de sufocamento, de impedimento da liberdade, de estar submetido a alguém superior.
- A quinta fonte diz respeito à virtude e à pureza que está ligado aos tabus sociais (comidas, sexo, família), mas também polariza com o desejo de romper com estes padrões restritivos de comportamento (experimentação, orgias, hedonismo, promiscuidade, etc.).6
Concluindo, esta pesquisa mostrou que:
Os eleitores mais à Esquerda costumam priorizar a ideia da compaixão, da justiça social, da ajuda do governo que protege os mais fracos e dá subsídios, etc., e a justiça que venha em função do seu empenho e não do seu mérito. Aqui também as autoridades são vistas em geral como algo que pode levar a hierarquias rígidas e ao desprestígio dos grupos que estão abaixo e na questão do pertencimento eles gostam da diversidade de raças, preferências e orientações sexuais diferentes, etc. A virtude aqui é vista como um sufocamento da experimentação, da inovação e da ruptura dos usos e costumes.
Já os eleitores mais Conservadores de Direita, eles enxergam como muito importante a identidade do grupo e até aceitam conviver com os diferentes, mas não se sentem confortáveis a integrar o diferente e compartilhar muito com ele, ainda que admitam que o diferente tem o direito a existir, a votar, etc. há uma tendência maior a enxergar o outro como algo que tem que ser excluído ou viver em paralelo. Uma outra questão é a importância que eles dão à autoridade, à organização, à regra, porque eles pensam que isso foi uma grande e difícil conquista da cultura de escapar da anarquia, do desentendimento, de se organizar uma sociedade. Enxergam um grande valor nesta harmonia que se conquista com o ordenamento desta sociedade. Na questão da virtude eles percebem como sendo perigoso abrir mão dos tabus, das regras, da santidade, da pureza e aceitar coisas que são devassas, promíscuas, o hedonismo, as orgias, a infidelidade, etc., porque têm um medo de que isso leva à decadência, à desagregação social e ao caos. Sua percepção em relação à compaixão é importante, mas mais restrita ao próprio grupo e tem um outro nível de prioridade e a justiça está mais ligada ao princípio da meritocracia: você receberá em função do que você contribuiu.5
Outros testes que foram feitos em relação às diferentes respostas dos conservadores e progressistas:
Teste do cachorrinho: Os da Esquerda preferem os cachorros amigos e brincalhões, que gostam de crianças, não estranham os desconhecidos e são independentes e não protegem nada e os da Direita escolhem os cães leais à família e hostis aos estranhos, mais ligados à proteção e aos perigos do mundo.5
Estudo da amigdala cerebral, que é um órgão do cérebro que está ligada à percepção do medo e do perigo: Os eleitores da direita têm uma área da amigdala maior e mais desenvolvida e os de esquerda a amigdala é menor e são mais relaxados e com menos medo em relação aos perigos. Isso ajuda a explicar que o medo também tem um papel importante nas simpatias e antipatias que nós sentimos.5
Teste do nojo: Ao submeter as pessoas a cheiros desagradáveis e a aparências desagradáveis conclui-se que a reação é mais intensa nos eleitores de direita e é superior na rejeição aos odores ruins, ao nojo e coisas esquisitas e diferentes, do que os da esquerda.5
É importante incluir aqui a observação de que estas pesquisas apenas falam sobre a tendência das pessoas comuns em escolher as ideologias da esquerda e da direita, mas não se aplicam aos grandes momentos históricos como os que vivemos no século XX, onde o Comunismo matou 100 milhões de pessoas e o Nazismo, 6 milhões de pessoas. Aqui se faz necessário incluir a outra parte da minha teoria que fala dos líderes psicopatas (Politicopatas-alfa) e à tendência das pessoas em seguirem estes líderes patológicos, gerando as grandes tragédias da Humanidade!
O estudo acadêmico “Nonpolitical Images Evoke Neural Predictors of Political Ideology” chegou às seguintes conclusões:
A neurociência começou a fornecer informações ricas sobre os processos neurofisiológicos subjacentes ao comportamento político. Nossos resultados têm implicações importantes para as ligações entre biologia, emoções, ideologia política e natureza humana mais fundamentalmente.
Evidências acumuladas sugerem que a cognição e a emoção estão profundamente interligadas, e uma visão de segregar cognição e emoção está se tornando obsoleta. As pessoas tendem a pensar que suas visões políticas são puramente cognitivas (ou seja, racionais). No entanto, nossos resultados apoiam ainda mais a noção de que os processos emocionais estão fortemente acoplados a sistemas de crenças humanos complexos e de alta dimensão.
Vários grupos sugeriram que as pessoas nascem com certas disposições e traços que influenciam a formação de suas crenças políticas. Além disso, vários estudos mostraram que a história de vida (como experiências traumáticas) pode afetar visões políticas.
Uma ampla gama de regiões cerebrais contribuiu para a previsão da ideologia política incluindo aquelas envolvidas no processamento e interocepção de nojo e outros estímulos com valência afetiva negativa, mas também aquelas envolvidas em atividades mais básicas.6
Concluindo: Somos seres humanos que pensamos (homo sapiens = “homem sábio” ou “homem que sabe”), mas também somos seres emocionais e instintivos, extremamente complexos e que agimos muitas vezes (ou a maioria das vezes) por impulsos afetivos ou pulsionais inconscientes. Estes padrões profundos causam as nossas identificações com as polarizações políticas e nos tornam extremamente resistentes às argumentações opostas, além de criar o “ódio do bem”, que justificam as nossas ações contra “os maus e inimigos da humanidade”!
E assim estamos caminhando para um colapso planetário, prenunciado pela Guerra da Ucrânia de Putin e pelo desejo de Xi Jinping invadir Taiwan, o que irá deflagrar a Terceira Guerra Mundial e o fim de um período da história humana!
Paulo Maciel, 24/10/2022.
Bibliografia:
- wikipedia.org/wiki/Paleolítico
- wikipedia.org/wiki/Família
- wikipedia.org/wiki/Clã
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Tribo
- https://pt.wikipedia.org/wiki/Viés_de_confirmação.
- https://www.youtube.com/watch?v=qQ3htq-T2T0
- https://www.cell.com/current-biology/fulltext/S0960-9822(14)01213-5