Conservadorismo e Socialismo

Vivemos em um mundo polarizado, como sempre foi: por milhares de anos a polarização foi entre os diferentes clãs, que depois foi evoluindo para as diferenças entre as tribos, povos, nações, religiões e teorias políticas.

Atualmente se fala muito na polarização “Direita x Esquerda”, cuja origem histórica desses termos remonta aos tempos da Revolução Francesa: Durante o processo revolucionário começado em 1789 na França, os Girondinos, considerados mais moderados e conciliadores, ocupavam o lado direito da Assembleia Nacional Constituinte, enquanto os Jacobinos, mais radicais e exaltados, ocupavam o lado esquerdo. Essa é a origem da nomenclatura de “Direita x Esquerda” que categoriza os posicionamentos políticos contemporâneos.

Mas esta distinção entre eles está estruturalmente errada, já que na época os verdadeiros “Conservadores” eram a Igreja (“Primeiro Estado”) e a Monarquia (“Segundo Estado”) e tanto os Girondinos quanto os Jacobinos eram ambos “Revolucionários” e faziam parte da Burguesia (o “Terceiro Estado”, que era composto pela burguesia e os camponeses). Pelos conceitos atuais, os Girondinos seriam a Centro Esquerda, os Jacobinos a Extrema Esquerda e o Clero e a Monarquia, a Direita!

Com a derrubada da família real francesa em 1789 começou o “Regime do Terror” comandado pelo jacobino Maximilien de Robespierre, que mandou decapitar mais de 17 000 pessoas que ele considerava “perigosas para a revolução”. E este regime só acabou com a decapitação do próprio Robespierre: Os girondinos derrubaram os jacobinos do poder por meio de um golpe conhecido como “Reação Termidoriana” e a Revolução Francesa encerrou-se por meio do golpe organizado por Napoleão Bonaparte e conhecido como “Golpe do 18 de Brumário”.

Seguindo a esta polarização da Revolução Francesa surgiu a “Primeira Revolução Industrial” (de 1760 até meados de 1850) com a produção em massa nas fábricas têxteis e a exploração trabalhista de mulheres e crianças, criando-se um novo tipo de sistema econômico nas figuras da “Burguesia” e do “Proletariado”, definidas pelo surgimento do pensamento marxista com a publicação do “Manifesto do Partido Comunista” (MPC), em 1848:

“Por proletariado compreende-se a classe dos trabalhadores assalariados modernos que, privados de meios de produção próprios, se veem obrigados a vender sua força de trabalho para poder existir.” (Nota de F. Engels à edição inglesa de 1888)

E aqui surge a segunda polarização entre os termos “Direita x Esquerda”, criada por Karl Marx (1818 –1883) e Friedrich Engels (1820 – 1895), com a famosa ideia da “luta de classes”:

“A história de todas as sociedades até agora tem sido a história das lutas de classe. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, membro das corporações e aprendiz, em suma, opressores e oprimidos, estiveram em contraposição uns aos outros e envolvidos em uma luta ininterrupta, ora disfarçada, ora aberta, que terminou sempre com a transformação revolucionária da sociedade inteira ou com o declínio conjunto das classes em conflito.” (MPC p. 10)

Nossa época – a época da burguesia – caracteriza-se, contudo, por ter simplificado os antagonismos de classe. Toda a sociedade se divide, cada vez mais, em dois grandes campos inimigos, em duas grandes classes diretamente opostas: a burguesia e o proletariado.” (MPC p. 11)

Marx não fez nenhuma revolução social pessoalmente, mas abriu espaço para as revoluções comunistas ao redor do mundo: “Ao delinear as fases mais gerais do desenvolvimento do proletariado, descrevemos a guerra civil mais ou menos oculta que se trava no interior da sociedade atual, até o ponto em que ela explode em revolução aberta e o proletariado funda seu domínio por meio da derrubada violenta da burguesia.” (MPC pp 29-30)

Com as ideias de Marx, a “Revolução Russa” (8 de mar. de 1917 – 16 de jun. de 1923) derrubou a monarquia russa dos Czares e levou ao poder o Partido Bolchevique, de Vladimir Lênin.

Antes da Revolução Russa o Partido Comunista tinha duas alas: os Bolchevique e os Menchevique, que poderiam ser comparados com os Jacobinos e os Girondinos da Revolução Francesa. Os Bolcheviques acreditavam na imediata imposição do socialismo por meios violentos, com confisco armado das propriedades, das fábricas, e das fazendas, e o assassinato dos burgueses e reacionários que porventura oferecessem resistência. Já os Mencheviques (que também se auto rotulavam “socialdemocratas”) defendiam uma abordagem mais gradual, não-violenta e não-revolucionária para o mesmo objetivo; para estes, a liberdade e a propriedade deveriam ser abolidas pelo voto da maioria.

A Revolução Russa compreendeu duas fases distintas: 1. A “Revolução de Fevereiro” (março de 1917, pelo calendário ocidental), que derrubou a monarquia do Czar Nicolau II, o último Czar a governar, e procurou estabelecer em seu lugar uma república de cunho liberal; 2. A “Revolução de Outubro” (novembro de 1917, pelo calendário ocidental), na qual o Partido Bolchevique derrubou o Governo Provisório apoiado pelos partidos socialistas moderados e impôs o governo socialista soviético. A onda comunista invadiu outros países, encontrando aliados na figura chinesa de Mao Tse Tung, no cambojano Pol Pot, e no cubano Fidel Castro, entre outros.

É interessante notar a partir destas duas revoluções, que sempre existiram dois tipos de Socialismo:

  1. O Socialismo “Científico”, criado por Marx e Engels, que propunha a “luta de classes”, o “conflito revolucionário” e a “ditadura do proletariado” e
  2. A “Socialdemocracia”, que Marx chamou postriormente de “Socialismo Utópico” e que defendia uma transição gradual para o socialismo, sem a ruptura revolucionária.

É oportuno aqui também observar que o “socialismo utópico” é anterior a Marx, cujo pensamento ideológico foi primeiramente formulado por Saint-Simon (1760-1825), Charles Fourier (1772-1837), Louis Blanc (1811-1882) e Robert Owen (1771-1858). Esta distinção é clara na obra de Engels, “Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico”, editada em 1892, onde os socialistas utópicos acreditavam que a implantação do sistema socialista ocorreria de forma lenta e gradual, estruturada no pacifismo, inclusive na boa vontade da própria burguesia.

Com o crescimento da antiga URSS e a sua oposição aos EUA surgiu a famosa “Guerra Fria” (1947 a 1989), com jogos de poder e ameaças de uma 3ª Guerra Mundial com centenas de milhares de bombas atômicas, que literalmente destruiriam a humanidade e devastariam a Terra!

Esta possibilidade da hecatombe fez surgir o “Movimento Hippie” com os beatniks e os manifestantes que se opunham à Guerra do Vietnã com o slogan “Faça amor, não faça guerra”, quando surgiu o símbolo de “Paz e Amor” criado pelo artista britânico Gerald Herbert Holtom para a chamada “Campanha do Desarmamento” (Campaign for Nuclear Disarmament – CND), em 1958.

Após mais de 100 milhões de mortes causadas no século XX pelo Socialismo científico de Marx, muitos socialistas começaram a buscar uma alternativa para implementar a Esquerda no mundo, quando ressurgiram os ideais do Socialismo Utópico do século XIX nos termos de “Socialdemocracia”, “Socialismo Fabiano”, “Socialismo Gramsciano”, “Centro Esquerda”, “Progressismo”, “Liberalismo político”, “Escola de Frankfurt”, etc.

Este socialismo é o que vem crescendo em todo o mundo ocidental desde o fim da Guerra Fria, opondo-se ao Socialismo marxista e aos movimentos de oposição à Esquerda, que são todos genericamente rotulados de “Fascistas” e “Extrema Direita”, como os governos de Trump nos  EUA e de Bolsonaro aqui no Brasil.

Esta relação de oposição “Esquerda x Fascismo” vem desde a época do Nazismo de Hitler, que odiava o Marxismo por ter sido criado por um judeu e por ele ter perseguido, prendido e assassinado muitos marxistas alemães da época. Este ataque dos nazistas aos marxistas acabou criando o movimento “Antifas”, ou “Antifascistas”, que foi associado à Extrema Direita, já que Hitler perseguia a Extrema Esquerda!

Mas a ironia é que Mussolini, o criador do Fascismo na Itália, foi socialista durante toda a sua vida e até escreveu em seu testamento: “Ninguém que seja um verdadeiro italiano, seja qual for sua fé política, se desesperará no futuro. Os trabalhadores são infinitamente superiores a todos os falsos profetas que afirmam representá-los. Por isso fui e sou socialista! O único socialismo que pode ser implementado socialisticamente é o Corporativismo, ponto de confluência, equilíbrio e justiça de interesses em relação ao interesse coletivo. Vinte anos de fascismo, ninguém será capaz de apagá-los da história da Itália”.

Como temos visto ultimamente, este Socialismo Fabiano ou Socialdemocracia está crescendo em todo o Ocidente e se opondo aos partidos da Direita, ao mesmo tempo em que estão impondo as suas agendas ideológicas!

Além disso o Capitalismo tem uma série desvantagem em relação ao Socialismo: a Esquerda tem uma agenda muito sólida, histórica e planetária, enquanto o Capitalismo é apenas direcionado para um “Estado mínimo, livre mercado e direito à propriedade”. O Socialismo Fabiano, assim como o Comunismo chinês, usam e aceitam as regras do mercado capitalista, e por isso ele não tem forças para se opor às suas demandas.

A minha teoria do Mesaísmo propõe irmos para o Centro, onde existe menos conflito e mais diálogo e não se ensina mais a luta entre “capital e trabalho”, “patrão e empregado”, “opressor e oprimido”,  mas bem sei que ainda não estamos preparados para este ideal. A tendência no Brasil nas eleições de 2022 ainda será a extrema polarização entre Bolsonaro e Lula e não nos seus partidos, porque vivemos fortemente o discurso populista de ambos os personagens!

Quando me refiro ao “Centro”, não estou sugerindo uma teoria fisiologista como fazem os partidos do “Centrão” referindo-se a “um conjunto de partidos políticos que não possuem uma orientação ideológica específica mas que têm como objetivo assegurar uma proximidade ao poder executivo de modo que este lhes garanta vantagens e lhes permita distribuir privilégios por meio de redes clientelistas”.

Sabemos que a Direita foca no capital e na produção de riquezas e a Esquerda foca no trabalho e na igualdade social, mas quem produz capital e trabalho, riquezas e a sociedade é sempre o indivíduo, um ser humano: sendo assim, o Mesaísmo é centrado no humano e na sua humanidade e não nos resultados dos seus esforços e desejos.

Por isso eu vejo que a única forma de fazer oposição ao avanço das agendas socialistas é o Conservadorismo, que se opõe aos movimentos revolucionários e progressistas. Mas se estou focado no Centro, porque se opor a estes movimentos da Esquerda? Porque eles estão focados em atacar, enfraquecer e, se possível, dissolver os valores dos conservadores: religião, família, liberdade e propriedade!

Sendo assim, proponho abandonarmos a polarização “Direita x Esquerda” ou “Capitalismo x Socialismo” e focarmos nas oposições entre os “Conservadores x Progressistas”. Vimos que, historicamente, os revolucionários marxistas queriam simplesmente “impor o socialismo por meios violentos, com confisco armado das propriedades, das fábricas, e das fazendas, e o assassinato dos burgueses e reacionários que porventura oferecessem resistência” e os atuais progressistas socialdemocratas querem mudar os valores da sociedade, desconstruindo tudo o que esteja relacionado à figura do Patriarca, que hoje é identificado com o “homem branco, rico, homofóbico, misógino, opressor e religioso”.

Os dois paradoxos desta oposição “Conservadores x Progressistas” é que os Conservadores sempre resistiram à evolução da estrutura social e cultural, mas ela sempre aconteceu ao longo da História, lenta e inexoravelmente, e que os Progressistas só querem a revolução até chegar ao Poder, para depois nunca mais mudarem e se tornarem os novos e permanentes conservadores!

Enfim, deveríamos continuar evoluindo como sempre fizemos, sem as revoluções violentas e os genocídios históricos, ao mesmo tempo em que implementamos projetos sociais que promovem a dignidade humana, a redução das desigualdades sociais a inclusão de todos e a humanização do capitalismo, mas sem as bandeiras de “Direita x Esquerda” ou “Capitalismo x Socialismo” e com uma só proposta, a do Humanismo!

 

Paulo Maciel

30/12/2021